terça-feira, 21 de setembro de 2010

Ls Lusiadas

Depois de 5 anos de intenso trabalho, Amadeu Ferreira (sob pseudónimo Francisco Niebro) pôde finalmente apresentar ao publico a tradução da obra de Luis de Camões, Os Lusiadas, para a língua mirandêsa. A apresentação foi feita dia 17 de Setembro, dia da Língua Mirandesa, 11 anos após o reconhecimento da mesma pelo Estado Português.
Numa primeira abordagem, as diferenças não são muitas mas quando abrimos o livro e começamos a ler os versos que todos conhecemos, não podemos deixar de nos espantar com a transformação do texto:

"Aqueilhas armas i homes afamados
Que, d'Oucidental praia Lusitana,
Por mares datrás nunca nabegados,
Passórum par'alhá la Taprobana,
An peligros i guerras mui sforçados."

Amadeu Ferreira acabaria por confessar "quando começei o projecto não sabia no que me estava a meter", afinal não é de ânimo leve que se traduz o maior épico da literatura portuguesa para uma língua na qual muitas das expressões utilizadas no original são inexistentes e, como tal, quase impossíveis de traduzir. A procura das melhores soluções gramaticais, rima, métrica e acentuação foram desafios linguísticos superados pelo autor. "Houve alturas durante a tradução que não sabia para que lado me havia de virar, dada a complexidade da obra traduzida e as soluções a encontrar", desabafou Amadeu Ferreira.
A edição da obra ficou a cargo da Âncora, editora que nos últimos anos tem apostado na divulgação da língua mirandesa e tem publicado inumeras obras, incluindo bandas desenhadas, escritas em mirandês.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

La Mona L Maio

Título: La Mona L Maio
Autor: José Francisco Fernandes (Padre Zé)
Tradução: Alcides Meirinhos
Edição: Âncora
Nº de páginas: 95
Nota: Pela origem do livro (e por a minha também) este post é bilingue - tradução portuguesa abaixo. Pedem-se desde já desculpas por uma ou outra falha que possa existir no texto em Mirandês. Se algum interessado em adquirir este livro (em edição bilingue) tiver dificuldades em o fazer, por favor, basta enviar-nos um e-mal que nós ajudamos.

Hai cerca de 50 anhos l Padre Zé, que quaije solo falaba mirandés, propós-se passar pa l papel l mundo an que bebia. Cicouro, aldé “perdida” ne l Praino Mirandés ye inda hoije (i cumo todas las aldés daquela region) demasiado lhoinge de todo i de todos. Depuis de lhermos estes cuntos apercebemo-mos, nós ls que conhecemos la region, qu'anque to l progresso que marca este mundo cuntina a haber cousas que pouco ó nada mudan. Mesmo assi, hai defrenças i al lher estes cuntos nun pude deixar de me lhembrar de las stórias cuntadas a la lhume pul miu abó nas nuites de Ambierno, las stórias d'antigamente, las que ne ls lhieban a cumprender porque somos l que somos, d'adonde ne ls bénen aqueilhes eilemientos que tan bien caraterizan las gientes de l Praino stéiamos na nuossa tierra ó lhoinge deilha.

Nun stilo bien simples (i cumo nó) i nun ton coloquial l Padre Zé lhieba-mos nua biaige nun solo pul tiempo mas tamien pulas tradiçones, puls hábitos que se nun perden, pulas lhendas, pulas rotas de l cuntrabando, conhecendo gientes i lhugares que, por bezes, se rebelan mui semelhantes als que conhecemos hoije. Ye un lhibro qu'an to la sue simplicidade ne ls ajuda “a çcubrir más un cachico de quien somos, a acrecentar las rezones que mos lhieban a tener proua de sermos mirandeses i la repunsablidade que ye habermos ardado esta lhéngua.” Un berdadeiro retrato de la bida ne l Praino de ls anhos 20 i 30 (de l seclo XX).

Ua de las curjidades que marca este lhibro ye l fato d'hai 50 anhos l pobo mirandés nun tener ourgulho na sue lhéngua, çcunsideraba-a bendo-a solo cumo ua lhéngua menor para falar “an casa” i culs de casa. Talbeç por esso, l Padre Zé tenga decidido poner de parte la lhéngua mai i screbir estes cuntos an pertués. 5 décadas depuis, Alcides Meirinhos – la quien lhoubo ls sfuorços na dibulgaçon de la nuossa lhéngua i l'amor que le ten – deitou manos a l'obra i traduziu ls scritos de l Padre Zé pa la “lhéngua an que l Padre Zé gustarie de las haber screbido.” Para alhá de l prazer que me proporcionou esta lheitura i de l ótimo trabalho de l Alcides na traduçon i al trazer estas stórias a la luç de l die, nun puodo deixar de referir tamien l belíssemo trabalho d'eilustraçon de la Ana Fonso i l'antroduçon de Amadeu Ferreira.


PORTUGUÊS:
Há cerca de 50 anos o Padre Zé, que quase só falava mirandês, propôs-se passar para o papel o mundo em que vivia. Cicouro, aldeia “perdida” no Planalto Mirandês é ainda hoje (e como todas as aldeias daquela região) demasiado longe de tudo e de todos. Depois de lermos estes contos apercebemo-nos, nós os que conhecemos a região, que apesar de todo o progresso que marca este mundo continua a haver coisas que pouco ou nada mudam. Mesmo assim, há diferenças e ao ler estes contos não pude deixar de me lembrar das histórias contadas à lareira pelo meu avô nas noites de Inverno, as histórias de antigamente, as que nos levam a compreender porque somos o que somos, de onde nos vêm aqueles elementos que tão bem caracterizam as gentes do Planalto estejamos na nossa terra ou longe dela.

Num estilo bem simples (e como não) e num tom coloquial o Padre Zé leva-nos numa viagem não só pelo tempo mas também pelas tradições, pelos hábitos que se não perdem, pelas lendas, pelas rotas do contrabando, conhecendo gentes e lugares que, por vezes, se revelam muito semelhantes aos que conhecemos hoje. É um livro que em toda a sua simplicidade nos ajuda “a çcubrir más un cachico de quien somos, a acrecentar las rezones que mos lhieban a tener proua de sermos mirandeses i la repunsablidade que ye habermos ardado esta lhéngua.” Um verdadeiro retrato da vida no Planalto dos anos 20 e 30 (do século XX).

Uma das curiosidades que marca este livro é o facto de há 50 anos o povo mirandês não ter orgulho na sua língua, desconsiderava-a vendo-a apenas como uma língua menor para falar “em casa” e com os de casa. Talvez por isso, o Padre Zé tenha decidido pôr de parte a língua mãe e escrever estes contos em português. 5 décadas depois, Alcides Meirinhos – a quem louvo os esforços na divulgação da nossa língua e o amor que lhe tem – deitou mãos à obra e traduziu os escritos do Padre Zé para a “lhéngua an que l Padre Zé gustarie de las haber screbido.”Além do prazer que me proporcionou esta leitura e do óptimo trabalho do Alcides na tradução e ao trazer estas histórias à luz do dia, não posso deixar de referir também o belíssimo trabalho de ilustração da Ana Afonso e a introdução de Amadeu Ferreira.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010